domingo, 12 de fevereiro de 2012

Algo Que Nunca Acontecera¹

Era fim de tarde, num sábado desses em que festejos são a lei do final de semana. A alegria regia aquela festa, contaminando as pessoas com sua capacidade de embriagar-lhes o espírito. Estas, lá sorriam, conversando sobre um turbilhão de assuntos concernentes ao momento ou de tempos passados; aquilo que se fala em festas, as mesmices daquele ambiente. Corpos iam e vinham, irradiando linguagem corporal desconhecida dos leigos nessa ciência.

Estava a observar, imparcial, a fotografar o ambiente, mirando cada detalhe que passava despercebido dos demais distraídos. Todavia, apenas as nuanças de uma pessoa interessavam-me. Sabia que ela estava por perto. Conseguia guiar-me pelo seu aroma e, posto que fosse acobertado pelos aromas alheios, meu faro andarilho cumpriu bem sua tarefa natural achando-lhe. Mal a luz advinda de tal criatura tocou minhas órbitas oculares, sensibilizando-as, meu cérebro reconheceu as feições mágicas dum ser almejado há tempos. Ela era assaz diferente dos outros seres que ocupavam a massa humana ali presente, portanto, não houve errata no achamento. Cogitei, em seguida, a possibilidade duma aproximação efusiva; coisa comum em sociedade como aquela--penso eu--sem escrúpulos ou delongas. Entretanto, tratei de libertar-me dos convencionalismos daquela época, preferindo observar meticulosamente antes de agir, diferindo de outras ocasiões nas quais o ímpeto fumegante tirou-me o êxito. Fitei-lhe o rosto branco, delicadamente corado, depois os lindos cabelos marrons, dourados pelo poente da primavera. Pus-me a acompanhar-lhe o conjunto de fios tênues que lhe compunham uma franja horizontal um tanto transparente. Para minha surpresa estática, quando enfim atraquei o olhar em seus olhos estavam úmidos, como se já contendo uma tendência a transbordar tristezas. Uma inércia física tomou conta de meu corpo, libertando minha mente para refletir sobre a causa daqueles belos olhos fuscos estarem melancólicos. Aquela linda mulher estava triste, seu olhar mirava o chão como se através dele pudesse escapar dali para outra dimensão, onde poderia usufruir de sua tristeza interior em paz, ou compartilhá-la, mediante prosopopeia, com ele, sem que alegria alheia alguma quebrasse-lhes a elegia do momento. "Mas, afinal, por que estava triste?"--perguntava-me--"Se admiradores não lhe faltavam, a beleza era a matéria-prima de suas feições, e a alegria lhe rodeia como insetos numa perfumada margarida europeia?". Perguntas soliloquias instigavam-me investigações. Entretanto, davam-me coragem nenhuma de agir. Deixei-as, pois, engavetadas em meu subconsciente ocioso.

Após estas premissas pensativas, elegi, a tal momento, a hora certa duma aproximação. Fui ao encontro de tal beldade. Fiz uso das cordialidades apropriadas numa situação esporádica como aquela. Introduzi-me e fui correspondido com um sorriso preclaro, todavia sabia: por dentro havia melancolia--o presente podia enganar, mas era o passado a residência da verdade que afligia a donzela. Não obstante o semblante mascarando sua dor, mostrava-se receptiva a meus enleios tímidos indiretos. Respondia-lhes com uma graça digna duma deidade. Os gracejos estenderam-se por algumas horas, até o posfácio da celebração. No entanto, faltou-me o léxico necessário à continuação do cortejo, outrossim voltou-me a ânsia por saber integralmente sobre sua tristeza interior. Lancei-lhe a pergunta a qual, outrora, aliada à curiosidade, opugnava minha mente para que a adivinhação de sua resposta viesse como um fluxo repentino de sofisma. Sabia da existência do risco disso fazê-la se esvair, porém não havia escolha--era pular do penhasco e acreditar no que não se vê abaixo d'água ou permanecer ilhado, sem perspectivas. Entre "arrepender-se do feito" e "não ter a coragem de fazê-lo" preteriria esta última possibilidade. A vida é deveras breve. Deixar de fazer algo é deixar de viver esse algo. Não importando as circunstâncias desfavoráveis, tinha de tentar: ficar inerte não é bem a tática dos vencedores.

Olhava, atônito, para seu rosto, esperando uma resposta sincera ou um adeus desdenhoso. Uma espera como aquela era de causar infarte, mesmo no mais paciente dos meditadores orientais; havia algo muito mais instável, mais que a própria mente conturbada precursora à meditação, em jogo: o coração de uma mulher. Por sorte, fez-se minha vontade humilde. Quase a lamuriar, com olhos perdidos num vazio de incertezas, contou-me como fora abandonada, como lhes foi posto o olvido; bem conhecido dos que já foram ludibriados. "Então, era isso...se o destino alguma vez fosse tão cruel seria ali, contra aquela existência amena"--pensei conclusivo e tocado--"como pode criatura tão bela e amável ser abandonada? A lógica da ilusão está escrita nas atribulações dessa moça... hei de trazer-lhe seu semblante de outrora. Voltar a sorrir. É o que ela precisa para prosseguir nesta vida".

Peguei-lhe a lânguida mão. Olhei aquele rosto corado. Acariciei-lhe o tenro cabelo. Balbuciei talvez as mais doces palavras que a minha boca trêmula pôde soltar àquela hora enternecida: "Não estás só, na verdade nunca estiveste. Há tempos estive aqui, procurando uma oportunidade para ser teu esteio nesta e em outra horas nas quais dor e tristeza formam uma parelha e batem-lhe a porta do coração. Basta que queira-me ao teu lado, e irei engendrar as odes que tua alegria ainda há de produzir".

Algo que nunca acontecera ali estava aguardando numa linha instável de tempo para acontecer. Um sonho a transformar-se em realidade. Bastava apenas a este sair do seu casulo de esperança, dar início à mais pitoresca felicidade curativa: o amor entre dois jovens dum mesmo universo.

(PHP)

2009

Nota: ¹ A pedido da minha "kirida" Tia (A srta. disse que eu podia enviar por e-mail, mas eu não tinha certeza se o do msn servia, já que Marcial costuma usar somente o do G-mail e, bem, não tenho o seu, se o tem, nem estava a fim de procurar o que tenho na lista de contatos, ufa...), postei esse conto, escrito em 2009, que possivelmente foi o primeiro e último do "Utopia Romântica" antes desse meu antigo e iludido fodido primeiro blog morrer.

PN: Grazadeus que, dia desses, estive corrigindo como "uma verdadeira Daniela da vida" 3.0, 2.5, 1.5, 0.5, 0.5, 0.4, 0.1, ZERO, ZERO, ZERO ZERO... (ALÔ, PESSOINHAS JOINHAS DO NEVES 2009!) algumas (umas três ou quatro, o que deu) produções minhas desse tempo. Relê-las foi uma experiência que proporcionou-me diversas sensações, desde a tristeza e o desapontamento de tal época com a realidade ulterior aos textos, até a "satisfação pela obra em si" (O regozijo do criador pela obra, but I'M NOT A PARNASSIAN ASIAN , just to be clear). Reabriu, e creio que sempre reabrirá, 'feridas', 'lembranças', desejos 'irealizáveis', etc., a releitura de escritos como este conto. Porém, cura-as sempre concluir isto: é da tormenta do mar que surge uma falésia... FUS ROH DAH!

"Nuz aan sul, fent alok,
fod fin vul dovah nok,
fen kos nahlot mahfaeraak ahrk ruz!
Paaz Keizaal fen kos stin nol bein Alduin jot!"

Sry, essa parte da música cantou na minha mente depois de 'falésia'. Empolguei-me. Malz aê, champs!

5 comentários:

  1. Que vá em paz, passado...
    http://www.youtube.com/watch?v=jvcjSacysxQ

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  2. Escreves contos LIKE A BOSS
    _____________________________________________
    Just leaving this here..
    http://www.youtube.com/watch?v=NisCkxU544c

    "Hit on Debra [...]
    Get Rejected [...]
    Swallow Sadness [...]"

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    1. LIKE A BOSSSSSSSS, adoro essa música AISHOAHOAIHS
      "Jump out the window" (melhor parte xD)

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    2. Jizz In My Pants também é pretty awesome! 8D

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